1. A Comunicação O conceito de comunicação recebeu, ao longo do século XX, tantas definições que não é possível dar início aos estudos das teorias da comunicação sem perscrutar seu significado. A comunicação é uma semiose, um processo signo com graus de complexidade e formas 2 variadas de realização. O conceito é amplo e pode extrapolar a esfera do humano. Não obstante é da comunicação humana que tratamos quando iniciamos nossos estudos sobre as Teorias da Comunicação. Sob o ponto de vista da semiótica, poderíamos dizer que um processo comunicativo ocorre quando um emissor elabora um objeto, que será representado por um signo, capaz de gerar um interpretante na mente do receptor (interprete). E seria interessante lembrar que ele elabora um objeto de comunicação, e que este “objeto de uma semiose” será representado por algum meio e, de alguma forma e, finalmente, deverá gerar um processo interpretante na mente de um interprete. A concepção semiótica da comunicação é indicada para um início de abordagem do fenômeno já que não seria exagero considerar a semiótica como uma espécie de “microfísica” da comunicação. Não obstante a pertinência de se iniciar a conceituação da comunicação com auxílio nas teorias semióticas, tal perspectiva não deve excluir a compreensão do âmbito sócio-cultural da comunicação. A abordagem deve se deslocar, aos poucos, da análise da microestrutura da comunicação, rumo a uma compreensão das macroestruturas contextuais. O próprio Peirce, autor do método que pode ser considerado uma das maneiras mais formalistas e micro-estruturais de abordagem dos fenômenos comunicativos, postulava três níveis de significado da palavra, sendo o último capaz de afetar os rumos da sociedade. Uma palavra possui um significado, para nós, na medida em que somos capazes de utilizá-la para comunicar nosso conhecimento a outros, e na medida em que somos capazes de apreender o conhecimento que os outros procuram comunicar-nos. Este é o grau mais baixo do significado. O significado de uma palavra é, de forma mais completa, a soma total de todas as predições condicionais pelas quais a pessoa que a utiliza pretende tornar-se 3 responsável ou pretende negar. Essa intenção consciente ou quase consciente no uso da palavra é seu segundo grau de significado. Mas, além das conseqüências com as quais conscientemente se compromete a pessoa que aceita uma palavra, há um amplo oceano de conseqüências imprevistas às quais a aceitação da palavra está destinada, não apenas conseqüências de conhecimento mas, talvez, revoluções na sociedade. Nunca se pode dizer qual o poder que pode haver numa palavra ou numa frase, para mudar a face do mundo; e a soma destas conseqüências perfazem o terceiro grau do significado (PEIRCE, 1990, p. 159 - 160). Para Francisco Antônio e Pedro Dória, em Comunicação: dos fundamentos à internet “Comunicação é o estudo das relações entre a cultura e os meios de comunicação de massa”. Surge aí, em relação à concepção semiótica, não só o lugar da cultura nos processos de comunicação, como também um recorte, que volta as atenções para aquilo que realmente é estudado, no âmbito acadêmico, como sendo comunicação: a comunicação de massa. Impacientes com a complexas considerações de cultura de Bronislaw Malinowiski, estes dois autores recorrem a uma definição funcionalista de cultura, onde a cultura é definida como objeto de estudo da antropologia cultural e “estuda os sistemas simbólicos produzidos, transmitidos e reproduzidos pelo homem fora da reprodução física da espécie”. Mas, para os propósitos deste curso, será muito mais interessante recorrer ao conceito de cultura proposto por Edgar Morin em Cultura de Massas no século XX: o espírito do tempo, neurose: Podemos adiantar que uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e de identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os 4 ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1967, p. 17). 1.1. O Significado do Termo nos Dicionários Dentre as várias definições de comunicação que encontramos no dicionário Aurélio, destacamos as seguintes: · Ato ou efeito de comunicar (-se). · Ato ou efeito de emitir, transmitir e receber mensagens por meio de métodos e/ou processos convencionados, quer através da linguagem falada ou escrita, quer de outros sinais, signos ou símbolos, quer de aparelhamento técnico especializado, sonoro e/ou visual. · Por extensão: A ação de utilizar os meios necessários para realizar tal comunicação. 1.2. A Comunicação é uma ciência? Mas o que é a comunicação no universo acadêmico, uma ciência? Na verdade, a comunicação está bem mais próxima de ser um objeto, ou melhor ainda, um campo de estudo conforme coloca Francisco Rudiger A comunicação não é uma ciência mas um campo de estudo multidisciplinar, cujos métodos de análise não têm qualquer especificidade, foram desenvolvidos pelos diversos ramos do conhecimento filosófico, histórico ou sociológico. O conceito do mesmo não dispõe de autonomia teórica, deve 5 ser pesquisado no quadro das teorias da sociedade (Rudiger, p. 17). 1.3. A Etimologia do Termo Luis Martino propõe a seguinte etimologia do termo comunicação: O termo comunicação vem do latim communicatio, do qual três elementos são destacados: uma raiz munis = "estar encarregado de" prefixo co = “reunião” terminação tio = “atividade” Significado = "atividade realizada conjuntamente" 2. Conceitos Fundamentais O conceito de comunicação nos leva, quase que diretamente, a determinados termos. Alguns deles são operacionais e de grande utilidade quando se tem pela frente o objetivo de aprofundar conhecimentos sobre este campo do conhecimento. 2.2. Código - Mensagem · O código, em teorias da comunicação, pode ser definido como sendo um “Conjunto de regras por meio do qual mensagens são convertidas, de maneira convencionada e reversível, de uma representação para outra” (Dicionário Aurélio). · A mensagem, por sua vez, nas teorias da informação figura como uma “Estrutura organizada de sinais que serve de suporte à comunicação; o enunciado considerado apenas ao nível do plano de expressão, com exclusão dos conteúdos investidos” (Dicionário Aurélio) Sobre esta dicotomia Código-Mensagem, é interessante ainda observar que trata-se de uma reformulação semiótica da dicotomia lingüística de língua e fala (NÖTH, 1996, p. 114). Seguindo esta observação de Winfried Nöth, podemos ver o código como um fenômeno 6 sincrônico (estado de linguagem considerado em seu funcionamento num momento dado do tempo), como um sistema de signos (que podem ser lingüísticos ou não), enquanto as mensagens figuram como entidades diacrônicas, não sistematizadas que se modificam ao longo do tempo. 2.3. Signo A diversidade de significados do conceito de signo não é muito inferior à do conceito de comunicação. Nos dicionários normalmente é referido como sinônimo de sinal e de símbolo, ou como uma entidade capaz de representar, de significar. Na extensa obra de Charles Sanders Peirce, pai da ciência dos signos (semiótica), figuram diversas e complexas definições de signo. Mas justamente por estar consciente da dificuldade de comunicação provocada pela complexidade de suas teorias, Peirce cunhou uma definição mais simples de signo: Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria na mente dessa pessoa um signo equivalente, ou, talvez, um signo mais desenvolvido. Ao signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos os seus aspectos, mas com referência a um tipo de idéia que eu, por vezes, denominei fundamento do representamen. (PEIRCE, 1990, p.46) [sem grifo no original] Já para uma outra grande tradição, a semiologia de extração Saussureana, o signo é “uma entidade psíquica de duas faces” (SAUSSURE, 1969, p. 80) que consiste de um conceito (o significado) e uma imagem acústica, o significante. Mas esta 7 imagem acústica não é o som, no sentido físico, mas a impressão psíquica deste som. Na semiótica de Peirce, a sua classificação dos signos leva em conta três formas básicas de significação: a significação por semelhança, por contigüidade e por convenção. Saussure, no Curso Geral de Lingüística, levou em conta apenas os processos sígnicos por convenção, mesmo fora da linguagem verbal. Contudo, na tradição de extração saussureana, Roman Jackbson propõe a dicotomia metáfora-metonímia, fundamentada na oposição entre semelhança e contigüidade. 2.4. Texto As definições de texto são inúmeras e variam conforme a tradição. As diversas teorias lingüísticas, as semiologias e semióticas, a tradição dos Estudos Culturais e as teorias da Análise do discurso, dentre outras tradições, oferecem, cada uma, a sua definição de texto. Mas a noção de texto tem um brilho especial na teoria do grande pensador russo Mikhail Bakhtin. Isto se deve ao fato de que quando suas idéias foram descobertas, em meados dos anos sessenta, estudiosos de toda parte do mundo não puderam entender como, tantos anos antes (final da década de 20) ele já teria postulado e desenvolvido teses que a lingüística ocidental somente veio a conhecer tanto tempo depois. Outro aspecto interessante na concepção Bakhtiniana de texto, especialmente para o estudante de comunicação, é que, para Bakhtin, o texto é o objeto por excelência das ciências humanas. Pois o texto, diferentemente do “objeto” das ciências exatas, se movimenta e nunca é o mesmo, a cada instante do processo enunciativo. Esta concepção do texto, que é um objeto de comunicação, como objeto das ciências humanas parece fechar um 8 ciclo juntamente com a idéia de que a comunicação não é uma ciência, mas sim um objeto. Para Bakhtin não há comunicação sem texto, e também não texto que se dê fora de um processo comunicativo. As reflexões de Bakhtin não apenas trazem as questões da comunicação para dentro da lingüística, como também colocam a comunicação em uma posição epistemologicamente privilegiada. 2.4.1 – O tema: “sentido da enunciação completa”1 Para Bakhtin, a lingüística tradicional, afetada por uma nostalgia das línguas mortas, não vê estes elementos não verbais que tornam os abstratos elementos da langue2 vivos. A língua, dentro da tradição saussureana, é vista como um sistema monológico, onde a intertextualidade dialógica, advinda da natureza viva da língua em seu contexto concreto, é excluída. Isto quer dizer que a comunicação, tal como acontece entre dois interlocutores, em seu momento vivo, em seu desenrolar no tempo, não era valorizada no sistema de Saussure. De acordo com esta tradição o enunciado seria composto apenas pelos elementos da lague, pela estrutura sígnica do discurso. Mas para Bakthin, os elementos não verbais do enunciado são concretos tal qual o instante histórico em que se inserem. A cada vez a que a expressão “Que horas são” é enunciada, o seu sentido muda, muda o seu “tema”. O tema para Bakhtin é o sentido da enunciação completa e “depende da situação concreta (histórica, numa escala microscópica) em que é pronunciada [a enunciação] e da qual constitui na verdade um elemento”. Inseparável do sistema de signos estáticos que o “objetivismo abstrato” (tradição saussureana) chama de Langue, 1 BAKHTIN, Mikhail; Volochinov. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Ucitec, 1992. p 128. 2 De acordo com o pai da lingüística moderna, A langue é uma realidade psíquica de significados e imagens acústicas; “constitui-se num sistemas de signos, onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem acústica, onde as duas partes do signo são igualmente psíquicas” (SAUSSURE, 1969, p. 23) 9 O tema é um sistema de signos dinâmico e complexo, que procura adaptar-se adequadamente às condições de um dado momento da evolução. O tema é uma reação da consciência em devir ao ser em devir. A significação é um aparato técnico para a realização do tema. Não há tema sem significação e vice-versa. Além disso, é impossível designar a significação de uma palavra isolada (por exemplo, no processo de ensinar uma língua estrangeira) sem fazer dela o elemento de um tema, isto é, sem construir uma enunciação, um ‘exemplo’.” Mas a fixidez do sistema de signos da langue não pode ser desprezada. É justamente a estabilidade relativa propiciada por este sistema que irá permitir ao tema ter o seu sentido, o seu “elo com o que o precede e o que o segue” (BAKHTIN, 1992, p 128). Portanto, é essa estabilidade que garante que a comunicação aconteça. Além desta crítica materialista que Bakhtin faz ao psicologismo saussureano, ele não deixará de condenar também o princípio da causalidade, usado por certos marxismos, para explicar como a “infra-estrutura” determina a ideologia (conhecimento científico, literatura, religião, moral etc). O mundo dos signos não poderia figurar como uma “superestrutura” determinada de forma causal pela infra-estrutura econômica. Os signos e a ideologia são constituintes desta realidade concreta que, no marxismo mais positivista, ficava restrita à esfera da “infra-estrutura”. Os signos são vistos pela translingüística Bakhtiniana como produto do diálogo que, por sua vez, se dá em determinado contexto extraverbal concreto que é interno ao texto dialógico, seu constituinte. 2.5 - Polissemia 10 A multiplicidade de significados que cada signo pode assumir é uma das características mais exploradas pela propaganda, portando é de grande importância a compreensão do significado e da natureza da polissemia para o entendimento das teorias das semióticas e semiologias, bem como para a compreensão das teorias da comunicação como um todo. Peirce dizia que um signo representa seu objeto sob certo aspecto ou modo. Teríamos aí então uma redução de significados, pois apenas alguns aspectos do objeto seriam transmitidos na semiose (processo de significação) . Mas acontece que cada signo é passível de ser interpretado por diversas perspectivas, O que Peirce descreve não são classes aristotélicas de signos. Por isso, um mesmo signo pode ser considerado sob vários aspectos e submetido a diversas classificações. (NÖTH, 1995, p. 86) A polissemia permite o uso e o abuso da ambigüidade na propaganda. Contudo, o desenvolvimento da Teoria Hipodérmica trouxe desconfianças quanto à eficácia dos meios de comunicação de massa e ao seu poder absoluto, enquanto as teorias da persuasão e dos “efeitos limitados” perceberam que outros fatores interviam na relação entre os emissores e os receptores. O que estava sendo descoberto era a complexidade dos processos semióticos, inclusive a polissemia. 2.6 - Sociedade de massas No final do século XIX observou-se uma mudança significativa no funcionamento das sociedades contemporâneas. Assistia-se ao fim de um sistema tradicional estável, onde os indivíduos estavam intimamente ligados, seja por laços de família, pela tradição de se viver em um mesmo lugar, ou por motivos religiosos. “Uma 11 organização social assim coloca o indivíduo dentro do nexo de sistemas extremamente sólidos de controle social informal” (DE FLEUR-BALL-ROCKECH, 1993, p. 171). Outro modelo de sociedade vinha se formando simultaneamente ao surgimento das reflexões mais específicas sobre os fenômenos sociais. As primeiras teorias sociológicas, contemporâneas das primeiras tentativas de criação de jornais populares, concebiam a sociedade como um vasto organismo. Mas, em fins do século XIX, ficou claro que esta organização se tornava cada vez mais complexa. Para as teorias sociológicas deste período, independente das divergência entre as várias, tendências, a “massa” era formada por um conjunto homogêneo de indivíduos, isolados entre si, desprovido dos vínculos tradicionais que antes uniam as pessoas. A massa era assim concebida, indiferentemente de suas origens e dos grupos sociais a que pertenciam. Tal concepção de sociedade vai conduzir, ao lado da psicologia behaviorista, as diretrizes da Teoria Hipodérmica. 3 - O Surgimento das Pesquisas da Comunicação de Massas No início do século XX, a eclosão das comunicações de massa, dentre outros fatores, prepararam o surgimento das Pesquisas da Comunicação de massas. Em 1927 Harold D. Lassswel (1902 – 1978) publica Propaganda Techniques in the World War. A guerra traz novas necessidades aos mecanismos de manipulação dos governos envolvidos.Se antes o “povo” de uma nação se encontrava unido por vínculos mais tradicionais ao sentimento de nacionalidade, na sociedade de massas isto não aconteceia. Os compromissos assumidos pelas nações envolvidas no grande conflito fez com que os governos recorressem ao uso de novos recursos no objetivo de estimular os vínculos existentes entre os indivíduos e a sociedade: “Tornou-se essencial mobilizar sentimentos e lealdades, instalar nos cidadãos ódio e medo contra o inimigo, manter elevado seu moral diante das 12 privações e captar-lhes energias em uma efetiva contribuição para sua nação” (DE FLEUR-BALL-ROCKECH, 1993, p. 179). sua ligação com os regimes totalitários que se instalaram na sociedade ocidental nas primeiras décadas do século vinte. Tanto Hitler na Alemanha, quanto Mussolini na Itália e Stalin na França, se valiam dos meios de comunicação de massa na manipulação de seu povo. Outro fator decisivo para o surgimento desta tradição de pesquisa é a novidade de uma guerra global. Mas em uma sociedade onde o isolamento do individuo na massa anônima permite cada vez menos as relações com sentimentos aglutinadores e sólidos, atingir tal objetivo era uma tarefa impossível, a menos que se recorresse a outros mecanismos capazes de suprir tais ausências. O mecanismo encontrado para cumprir tal tarefa foi a propaganda. As populações das nações envolvidas foram então “bombardeadas” por uma avalanche de mensagens veiculadas por fotografias, filmes, discos, discursos, livros, sermões, cartazes, noticiários telegráficos, boatos, avisos em murais e panfletos, que visavam persuadir os cidadãos sobre a necessidade e a importância da guerra. 4 - O modelo de Larswell Harold Lasswel elabora um novo modelo, que aponta os rumos alternativos para a communication research. Partindo de um paradigma usado em sociologia (“quem obtém o quê? quando? de que forma?”), Lasswell apresenta, em 1948, o seguinte esquema: Quem Þ Diz o quê Þ Através de que Canal Þ Com que efeito 13 “Quem” corresponde ao emissor da mensagem; “diz o que” refere-se à própria mensagem; “através de que canal” refere-se ao meio utilizado na transmissão da mensagem; “com que efeito” refere-se aos fatores ligados à audiência, ou seja, aos receptores da mensagem emitida. 14 5 - A Teoria Hipodérmica Segundo uma citação de Wrigth (apud WOLF, 1999), as teses da teoria hipodérmica podem ser sintetizadas na afirmação de que “cada elemento do público é pessoal e diretamente ‘atingido’ pela mensagem”. Os teóricos desta tradição acreditavam que a massa (conjunto de indivíduos isolados e uniformizados) seria direta e fatalmente atingida pelas mensagens emitidas pelos novos meios de comunicação, assim como uma bala atinge o seu alvo. Qual seria o efeito da ação dos mass media em nas sociedades do início do século XX? De que forma estes meios veiculariam as mensagens desejadas, de que forma provocariam o esperado efeito? Os autores da teoria Hipodérmica acreditavam que os meios de comunicação de massas teriam a capacidade moldar a opinião pública possibilitando uma manipulação das massas. O modelo comunicativo da teoria Hipodérmica consiste em uma aplicação direta da conhecida forma comportamentalista (behaviorista) onde a cada estímulo deve corresponder uma resposta. Independentemente dos meios usados, e do perfil do público atingido, a cada estímulo, transmitido via meios de comunicação de massas, deveria corresponder uma resposta, a aceitação das mensagens pelas audiências. Pois se era verdade que a massa era desprovida de particularidade, que ela encarnava a uniformização dos indivíduos, não haveria porque imaginar que uma única mensagem não funcionaria igualmente para todos os indivíduos atingidos por ela. Os efeitos sobre a audiência seriam então imediatos, uniformes e diretos, como a perfuração da pele por uma agulha hipodérmica ou por uma Diz o quê = Mensagem Quem = Emissor Através de que canal = Meio Com que efeito = Receptor - Audiência Þ Þ Þ 15 bala de uma arma de fogo; daí um outro nome pelo qual a teoria Hipodérmica é conhecida: Bullet Theory. Estímulo Þ Resposta 6 - A abordagem Empírico-Experimental ou Teoria da Persuasão As pesquisas empírico-psicológicas surgem no período áureo da teoria hipodérmica, justamente quando alguns de seus pressupostos entram em crise. As teorias da persuasão dão continuidade ao procedimento de “selecionar alguns indicadores e procedimentos para se compreender a forma de agir da audiência enquanto consumidor”. Entretanto, a crença na natureza indiferenciada do consumo das mensagens entra em crise. O trabalho empírico, a observação da audiência e as inúmeras pesquisas realizadas indicavam que o público não era indiferenciado. O esquema básico “estímulo-resposta” desenvolve-se. Enquanto nos pressupostos da “teoria da bala” o indivíduo responde aos estímulos dos meios de comunicação de massa sem oferecer resistência, nas teorias da persuasão são consideradas algumas condições psicológicas que intervêm no processo comunicativo. pressupor uma correspondência perfeita entre a natureza e a quantidade do material apresentado numa campanha informativa e a sua absorção por parte do público, é uma perspectiva ingênua, porque a natureza real e o grau de exposição do público ao material informativo são, em grande parte, determinados por certas características psicológicas da própria audiência. (HYMAN, SHEASTLEY apud WOLF, 1999, p.36.) Para as teorias da abordagem da persuasão, a mensagem deve ser adequada à reação psíquica do destinatário. Os componentes e a estruturação da mensagem devem ir ao encontro das predisposições psíquicas da audiência. Os fatores que intervêm no sistema “estímulo Þ resposta” podem ser divididos em dois grandes grupos: o dos fatores ligados à audiência e o dos fatores ligados à mensagem. 16 5.1 - Os fatores ligados à audiência Os receptores devem estar em condições tais que possam ser afetados pelas mensagens. Algumas condições psicológicas da audiência são determinantes para a recepção ótima da mensagem. Se parte da audiência não possui informações sobre o que é veiculado pelas mensagens, é grande a probabilidade de não sucesso do processo persuasivo. O interesse em obter informação (interesse em obter informação), a predisposição a se expor à informação (exposição seletiva), a alteração das mensagens pela interpretação do receptor (percepção seletiva) e a alteração das mensagens ao longo do processo de memorização são os principais fatores ligados à audiência (WOLF, 1999 pp. 36-42). 5.1.1 - Interesse em obter informação Pessoas que já foram expostas ao assunto da campanha terão maior interesse pela mesma e, conseqüentemente, demonstrarão maior motivação para saber mais acerca do assunto. 5.1.2 – Exposição seletiva Os receptores tendem a se expor às informações que estão em conformidade com as suas atitudes e, por outro lado, tendem a evitar conteúdos que vão de encontro às suas predisposições e aos seus pontos de vista. 5.1.3 – Percepção seletiva O termo percepção é usado para se enfatizar que o processo perceptivo envolve também a interpretação dos estímulos, das mensagens. Segundo esse princípio, os receptores tendem a alterar os significados das mensagens durante o processo de interpretação, de acordo com determinados aspectos da sua personalidade. Um membro da audiência pode inclusive “fugir da questão”, alegando “não compreender” a mensagem – é o que se denomina “decodificação aberrante”. Pode ocorrer também que o receptor aceite apenas parcialmente a mensagem. 5.1.3.1 - Os efeitos de assimilação ou contraste Existe uma maior disposição à aceitação da mensagem quando as opiniões expressas assemelham-se às concepções do receptor. O emissor que pretende persuadir a audiência preocupa-se, em alguma medida, com a perspectiva do destinatário. Quando a distância entre o conteúdo da mensagem e as concepções do receptor é pequena, não existe um contraste entre os dois pólos da comunicação, ocorrendo uma boa assimilação. Para Mauro Wolf, entretanto, outros fatores atuam nesse processo: 17 a) uma diferenciação não excessiva entre as opiniões do indivíduo e as do emissor; b) um escasso envolvimento e uma fraca adesão do destinatário ao assunto da mensagem e as suas idéias a respeito desse assunto; c) uma atitude positiva em relação ao comunicador. Esses três requisitos compõem um “campo de aceitação” que fornece parâmetros para se saber em que medida as opiniões contidas na mensagem encontram uma aceitação pelo receptor, ou seja, em que medida elas são consideradas “objetivas” e “aceitáveis”. Em oposição ao “campo de aceitação”, existe um campo de recusa, constituído por condições opostas às que foram citadas acima. Um exemplo interessante de preocupação do emissor com uma boa assimilação e com ama diminuição dos contrastes é fornecido pela letra de uma canção de Geraldo Vandré. Em A desinvenção do som: leituras dialógicas do tropicalismo, Paulo Eduardo Lopes analisa várias “canções de protesto” brasileiras da década de 1970. Na letra da música Samba de mudar, Lopes identifica elementos comuns a outras canções de Geraldo Vandré, observando que “[...] a única variação está em que esta letra, diferentemente das demais, incorpora a perspectiva do destinatário (o “ouvinte do samba”), mostrando que a manipulação proposta pelo destinador só será eficaz se ambos os pólos da comunicação compartilharem o mesmo quadro de valores”. Em uma nota, Lopes cita Algirdas Julien Greimas, que afirma que nenhuma forma de manipulação pode ser eficaz de outro modo. (cf. GREIMAS, A. J. Du sens, II. Paris, Seuil, 1983, p. 219.) Eis a letra da canção. SAMBA DE MUDAR Baden Powell/Geraldo Vandré Vá Que samba bom É samba meu Teu Da nossa dor Samba de sofrer Samba de saber Samba de querer Samba de mudar 18 Só quem sofreu, quem chorou Meu samba vai ouvir Meu samba vai cantar Só na tristeza e na dor Alguém pode entender Que a dor tem de acabar E assim, somente quem sofreu, quem chorou Meu samba vai ouvir, meu samba vai cantar E tudo fica só... 5.1.4 - A memorização seletiva Os elementos seletivos, acima referidos, que estão presentes nos estágios da recepção são semelhantes aos encontrados na etapa de memorização das mensagens. Os aspectos da mensagem que estão de acordo com as concepções do receptor são não apenas percebidos com maior eficiência e freqüência, como também são memorizados com maior facilidade. À medida que o tempo passa, o receptor mantém as informações que para ele possuem maior importância, informações que estão de acordo com suas concepções e com sua formação cultural, enquanto aquelas que estão mais distantes das suas perspectivas são mais rapidamente esquecidas. 5.2 - Fatores ligados à mensagem Nas teses da Teoria da Persuasão, as variáveis relativas aos fatores ligados à audiência, acima abordadas, também estão presentes quando as atenções da pesquisa se voltam para os fatores ligados à mensagem. Alguns estudos, enquadrados por Mauro Wolf na tradição da Teoria da Persuasão, concentram esforços para compreender os fatores ligados à mensagem. 5.2.1 - A credibilidade do comunicador (credibilidade da fonte) Os estudos apresentados mostraram que “mensagens com os mesmos argumentos mas atribuídas a fontes opostas são eficazes de modo diverso”. (WOLF,38) . Esta influência se dá mais na interpretação imediata da informação do que na interpretação à logo prazo. 5.2.2 - A ordem da argumentação Uma mensagem é formada por argumentos, mesmo quando estes são constituídos por premissas implícitas. Uma argumentação tem sempre implícitos aspectos positivos e aspectos negativos. O problema que se apresenta é o 19 seguinte: quais aspectos devem ser colocados no primeiro momento da explanação (os positivos ou os negativos?) e quais aspectos devem vir por último? Imagine que a sua namorada, ou cônjuge, encontrou você em uma situação inusitada em um lugar público. Nesse dia, você teria avançado um pouco na intimidade com uma colega de trabalho, pegando em sua mão enquanto tomavam um cafezinho depois do almoço, em um restaurante próximo ao local de trabalho. O acontecimento, na verdade, não teve importância, porque você e a colega de trabalho estão longe de ter um caso. No entanto, a sua namorada, diante da cena, recuou e foi embora rapidamente. A questão que se coloca é a seguinte: quando for explicar a ela o que aconteceu, você, primeiramente: a) argumentará que sempre foi fiel, bem comportado, e que ela não tem razão para ficar desconfiada, porque o que ela viu foi apenas um momento de descontração um pouco exagerado etc.; b) ou dirá que você realmente se excedeu um pouco, que não deveria, de fato, ter pego na mão da colega, para somente em seguida apresentar as razões positivas (listadas no item “a”)? 5.2.3 - A Integralidade das argumentações 5.2.4 - A explicitação das conclusões 20 7 - Teoria empírica de campo ou dos “efeitos limitados” As teorias dos efeitos limitados apresentam diferenças quantitativas e qualitativas em relação às abordagens anteriores. Se a teoria hipodérmica pensa os efeitos em termos de manipulação, e se as teorias psicológico-experimentais falam de persuasão, a teoria empírica de campo trabalha com a idéia de influência. Os efeitos não são mais avaliados apenas em relação à esfera dos indivíduos, sendo considerados como parte de um processo mais complexo, que é o da influência pessoal. A influência dos mass media percorre necessariamente o filtro das relações pessoais da comunidade, em seu caminho até os componentes individuais da audiência. Trata-se de uma “influência não apenas exercida pelos mass media, mas [de] uma influência geral que ‘perpassa’ as relações comunitárias e de que a influência das comunicações de massa é só mais uma componente” (WOLF, 1999, p.47). A teoria dos efeitos limitados é a primeira a operar uma abordagem nitidamente sociológica, associando os processos de comunicação de massa com as características do contexto social. De acordo com Wolf, duas correntes podem ser identificadas nos estudos dessa tradição. 7.1 - O estudo da composição dos públicos e dos modelos de consumo dos mass media A partir de uma pesquisa financiada pela Fundação Rockefeller, Lazarsfeld escreve, em 1940, Radio and prited page: an introduction to the study of radio and its role in the communication of ideas, um trabalho que associa as características dos destinatários às características dos seus programas preferidos, com o objetivo de estudar os atrativos dos programas, para descobrir os motivos que levam a audiência a ouvir um determinado tipo de programa e não outros. Existem três processos diferentes para saber o que um programa significa para o público. Se possível, deveriam ser utilizados em conjunto. (LAZARSFELD, apud WOLF, 1999, p. 48.) a) Análise do conteúdo – considerando-se o conteúdo como um todo, o que os ouvintes realmente absorvem, o que eles extraem do conteúdo? b) Características dos ouvintes - análise dos vários grupos de ouvintes, considerando-se diferenças psicológicas entre sexos, grupos de idade e classes sociais. A comédia assistida por um grupo com nível elevado de conhecimento deve ter conteúdo mais elevado que a comédia assistida por um grupo de nível menos elevado de conhecimento. c) Estudo sobre as satisfações – o que causa a satisfação? Porque uma pessoa ouve um programa? Nesta 21 abordagem, pode-se passar do nível primário da mera descrição para o nível da conceptualização. Estudando o problema das preferências, os autores da teoria empírica de campo concluem que a forma de estratificação da sociedade influencia profundamente os efeitos. O abandono da relação causal entre propaganda de massas e manipulação promove a adoção de um processo indireto de influência, em que as dinâmicas sociais se intersectam com os processos comunicativos. 7.2 – O estudo da mediação social do consumo dos meios de comunicação de massa Ao tentar influenciar as tropas alemãs, os propagandistas aliados perceberam que só é possível avaliar a eficiência de uma campanha dentro do contexto social em que ela ocorre. Fica claro, para os pesquisadores da teoria dos efeitos limitados, que os efeitos dos meios de comunicação de massa dependem da situação social em questão. A principal obra sobre a mediação social do consumo dos mass media é um trabalho de Lazarsfeld, Berelson e Gaudet, escrito em 1944, How the voter: makes up his mind in a presidential campaing (A opção das pessoas: como o eleitor elabora suas próprias decisões numa campanha presidencial). A pesquisa descrita nessa obra teve por objetivo individualizar os motivos e as modalidades pelos quais se formaram as atitudes políticas no decorrer da campanha presidencial de 1940, numa comunidade de Ohio (Enrie County). A pesquisa foi organizada a partir de problemas como os papéis da posição socioeconômica, da religião e do grupo etário na predisposição das orientações de voto. Também foi levada em conta a “correlação entre o grau de interesse, de motivação e de participação na campanha eleitoral e o grau de exposição a essa mesma campanha” (WOLF, 1999, p. 51). A principal conseqüência da pesquisa foi a descoberta dos líderes de opinião e do fluxo de comunicação de dois níveis. 6.2.1 - Líderes de opinião e fluxo de comunicação de dois níveis Processos comunicativ os Dinâmicas sociais 22 Os líderes de opinião são pessoas que se destacam dos demais membros da comunidade por terem um alto grau de conhecimento e de interesse. Eles constituem uma parte da audiência que tem a capacidade de influenciar os demais na formação de suas opiniões sobre os temas veiculados pelas campanhas publicitárias. O líder de opinião pode ser local ou cosmopolita. Local – tendo vivido sempre na comunidade onde exerce liderança, tem ascensão sobre os outros indivíduos mais pelo fato de conhecer muitas pessoas, do que por possuir alguma competência específica. Exerce influência “em diferentes áreas temáticas; é, como Merton diz, polimorfo” (WOLF, 1999, p. 56). O líder local tem um perfil eclético de consumidor dos meios de comunicação de massa. Cosmopolita – monomórfico, especialista em alguma matéria, ele é um estrangeiro na comunidade e tem a sua ascendência sobre os outros indivíduos restrita à abrangência da sua especialidade. O líder cosmopolita “consome gêneros mais ‘elevados’ de comunicações de massa” (WOLF, 1999, p. 56). Diante da constatação da importância dos lideres de opinião, torna-se evidente o fato de que os efeitos dos mass media são parte de um processo mais complexo, que é o da influência pessoal. O modelo linear das teorias hipodérmica e experimental-psicológica é quebrado – instala-se, entre o emissor e o receptor, uma outra etapa do processo. A mensagem tem que interagir com a rede de relações sociais da comunidade em questão. 8 – O funcionalismo Na teoria sociológica funcionalista, os meios de comunicação de massa figuram como um subsistema do sistema complexo que forma a sociedade como um todo. De acordo com De Fleur, o estruturalfuncionalismo americano está inserido em uma tradição de pensamento em que a sociedade é abordada como um organismo – uma estrutura fundamenta a estabilidade da sociedade. Tal perspectiva, que remonta a Platão, tem um momento importante durante o período de surgimento das ciências sociais. Presente no pensamento de intelectuais como Saint-Simon (1760-1825), Auguste Conte (1798- 1857) e Herbert Spencer (1820-1903), tal concepção é levada a cabo por Émile Durkheim, ao final do século XIX. A perspectiva da sociedade como um sistema, em que as partes tendem a manter um equilíbrio, está presente nas reflexões do estruturalfuncionalismo. O comportamento familiar, as atividades econômicas, as atividades políticas, a magia e a religião, como atividades repetitivas, são organizadas em uma estrutura. Cada uma dessas atividades repetitivas tem uma função na manutenção da estabilidade ou do equilíbrio da estrutura social. As atividades repetitivas e padronizadas constituem, portanto, subsistemas, estruturados em um 23 todo, em um sistema social. Cada subsistema cumpre a sua função se satisfizer uma necessidade do sistema. Vejamos, por exemplo, a questão da manutenção do esquema de valores de uma sociedade. Suponhamos que o subsistema das comunicações de massa reforça, em alguma medida, os modelos de comportamento existentes no sistema social, no que se refere à manutenção do seu esquema de valores. Nesse caso, é possível considerar que o subsistema das comunicações de massa cumpre a sua função na manutenção do equilíbrio do sistema. 8.1 - Os imperativos funcionais Para a teoria estrutural-funcionalista, existe uma lógica que regulamenta os fenômenos sociais, a qual é constituída pelas próprias relações de funcionalidade do sistema. As relações de funcionalidade propiciam a solução de determinados imperativos funcionais, que são problemas que devem ser parcialmente resolvidos para que o sistema mantenha-se estável ou em equilíbrio. E é justamente a ação social, proveniente dos subsistemas e dos indivíduos, estruturados em um sistema total, que permite a satisfação das necessidades dos imperativos funcionais. De acordo com Wolf, os imperativos funcionais são os seguintes: a) a manutenção do modelo e o controle das tensões – o sistema social possui mecanismos de socialização que ativam o processo pelo qual os modelos culturais são interiorizados na personalidade dos indivíduos; b) a adaptação ao ambiente – para sobreviver, cada sistema social deve se adaptar ao seu ambiente social (um exemplo de função que soluciona o problema da adaptação é a divisão do trabalho, que se baseia no fato de que nenhum indivíduo poder desempenhar simultaneamente todas as tarefas que precisam ser realizadas para a sobrevivência do sistema social); c) a perseguição do objetivo – cada sistema social tem vários objetivos a alcançar, susceptíveis de ser realizados mediante esforços de caráter cooperativo (como a defesa do próprio território e o incremento da produção); d) a integração – as partes que compõem o sistema devem estar interligadas, deve existir fidelidade entre os elementos de um sistema e fidelidade ao próprio sistema no seu conjunto. Para contrariar as tendências desagregadoras, é necessário que haja mecanismos que sustentem a estrutura fundamental do sistema. A satisfação dos imperativos funcionais dependerá então de ações realizadas pelos subsistemas. Cada subsistema é composto por todos os aspectos da estrutura social que colaboram para a satisfação de um dos quatro problemas funcionais fundamentais (imperativos funcionais). Caso uma estrutura atue em sentido contrário, impedindo a satisfação de um dos problemas funcionais fundamentais, ela estará sendo disfuncional. 24 Também é importante observar que as funções são conseqüências objetivas da ação, enquanto os propósitos são conseqüências subjetivas da ação. Quando o estrutural-funcionalismo refere-se às funções, está tratando tanto as funções quanto as ações a elas relacionadas, assim como as conseqüências que estas desencadeiam, como fenômenos objetivos. Uma ação de um subsistema, ao satisfazer a necessidade de um dos imperativos funcionais e contribuir para a manutenção do sistema social como um todo, pode, ao mesmo tempo, atuar diretamente sobre outros subsistemas, realizando uma função indireta. As funções indiretas não satisfazem diretamente uma necessidade do sistema e não atuam diretamente na resolução de um dos problemas fundamentais (imperativos funcionais). Se as funções são desejadas e reconhecidas, elas são consideradas funções manifestas. Aquelas funções que, por sua vez, não são reconhecidas nem conscientemente desejadas são consideradas funções latentes. Dentro dessas complexas relações, é comum que mais de um subsistema esteja apto a resolver um dos quatro imperativos funcionais. Existem diversas alternativas funcionais para a resolução de cada um dos problemas fundamentais (imperativos funcionais). E, finalmente, chega-se ao ponto fundamental: quais são as funções sociais exercidas pelo subsistema constituído pelos meios de comunicação de massa? 8.2 – A teoria funcionalista da comunicação de massas Para C. Wright Mills, as relações complexas entre os meios de comunicação de massa e a sociedade podem ser inventariadas da seguinte maneira: O objetivo é articular, nomeadamente, 1. as funções e 2. as disfunções 3. latentes e 4. manifestas das transmissões 5. Jornalísticas 6. informativas 7. culturais 8. de entretenimento respeitantes 9. à sociedade 10. aos grupos 11. ao indivíduo 12. ao sistema cultural (WOLF, 1999, p. 67.) 25 “O ‘inventário’ das funções relaciona-se com quatro tipos de fenômenos comunicativos diferentes: a) a existência do sistema global dos mass media numa sociedade; b) os tipos de modelos específicos de comunicação ligados a cada meio de comunicação particular (imprensa, rádio etc.); c) a ordem institucional e organizativa em que os vários mass media operam; d) as conseqüências que derivam do fato de a principal atividade de comunicação se desenvolver através dos mass media.” (WOLF, 1999, p. 67.) 8.2.1 - As funções do subsistema mass media Para a tradição funcional-estruturalista as funções dos meios de comunicação de massa podem ser relativas à sociedade, ou extraídas a de partir uma análise que aborde os meios em si, independentes da ordem institucional, da estrutura social e econômica na qual estão inseridos ou ainda, levando-se em conta justamente a ordem institucional e proprietária dos próprios meios: 1 - No que tange à sociedade, duas funções são consideradas: 1.1 Pode alertar os cidadãos em caso de ameaças ou perigos imprevistos 1.2 “Fornece instrumentos para se executar certas atividades quotidianas institucionalizadas na sociedade, como, por exemplo, as trocas enconômicas, etc” (WOLF, 1999, p.60). 2 - Uma análise voltada para o indivíduo e para a “mera existência” (WOLF, 1999, p.60) dos meios, indica três funções: 2.1 - Os indivíduos e os grupos veiculados pelos mass media ganham prestígio e projeção social. 2.2 Aqueles que já desfrutam de uma posição social privilegiada aumentam o seu prestígio com o apoio dos meios de comunicação de massa. 2.3 Reforço de normas sociais, antes mantidas pelas relações típicas de sociedades não massificadas, como por exemplo, as relações face a face. Os meios de comunicação de massa reforçam as normas sociais, “deunciando seus desvios à opnião pública”. 3 - Análise que considera a inserção dos mass media no contexto de uma determinada estrutura econômica e social 26 3.1 - Por serem sustentados pelas grandes empresas exercem funções tais como a contribuição para o conformismo social. Lazarsfeld e Merton em Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada (ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 231-253) comentam que os efeitos dos meios de comunicação de massa variam de acordo com o sistema de propriedade e de controle: Destarte, considerar os efeitos sociais dos meios de comunicação norte-americanos equivale a tratar, apenas, dos efeitos desses meios enquanto empresas de propriedade dirigidas pela motivação do lucro. É do conhecimento geral que esta circunstância não constitui um fator inato ao caráter tecnológico dos meios de comunicação de massa. Na Inglaterra, por exemplo, para não falar da União Soviética, para quaisquer fins e objetivos, o rádio é de propriedade do Estado, sendo controlado e administrado pelo governo (ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 242). Os autores comentam que na maioria dos meios de comunicação de massa não são os receptores que sustentam as empresas, são os anunciantes, “As grandes empresas financiam a produção e a distribuição dos meios de comunicação de massa. Afinal de contas, quem paga ao flautista, em geral, dá o tom” (ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 242). 3.2 Resistência às crítica feitas à baixa qualidade dos produtos veiculados pelos meios de comunicação de massa. 8.2.3 - As disfunções do subsistema mass media Para Lazarsfeld e Merton as funções de atribuição de status e de reiteração das normas sociais não é a tarefa mais difícil para aqueles que comandam os meios de comunicação de massa. As disfunções, como a disfunção narcotizante, é que tem passado desapercebidas ou “Pelo menos não tem sido alvo de atenção manifesta e, aparentemente, não tem sido utilizada de maneira sistemática, para servir a determinados objetivos planejados” (ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 240). 27 Ao recorrerem, em larga medida, aos meios de comunicação de massa, os norte-americanos podem então “acompanhar a evolução do mundo”. Satisfeito com seu auto nível de informação, o cidadão acaba por não perceber sua “recusa em tomar decisões e agir” (ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 241). Esta sua relação secundária, passiva com a realidade política, acaba por substituir uma possível postura mais ativa, ele “Acaba confundindo conhecer os problemas do momento com fazer algo a seu respeito”. Informado, o cidadão se sente realizado politicamente, sendo que a realização em política jamais poderia ser reduzida à esfera da informação. È por esta razão que os autores consideram os meios de comunicação de massa como “narcotizantes sociais mais respeitáveis e mais eficientes” ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING (Org.), 1973, p. 241). 8.2.4 - Usos das funções e funções dos usos - a hipótese dos usos e gratificações Pelo que foi visto até aqui, é certo, no âmbito das teorias administrativas (hipodérmica, empírica experimental, empírica de campo e funcionalista) que os mass média tem seus efeitos, provocam algo na audiência. Não é novidade então perguntar “o que os mass media fazem às pessoas”, mas sim “o que é que as pessoas fazem com os mass media”. Apesar de admitir a falta de autonomia do receptor e a assimetria da sua relação com o receptor, a tradição funcional-estruturalista considera o destinatário como um “sujeito comunicativo a título ineiro” (WOLF, 1999, p. 64). 28 9 – Teoria Crítica - A indústria cultural Para Adorno e Horkheimer, a expressão “cultura de massas” passa a idéia de uma cultura que surge espontaneamente do povo, de uma nova forma de cultura popular. Mas na verdade, nas sociedades onde a cultura de massas se instala, o que se observa é a fabricação de uma cultura, ou seja, a presença de uma “industria cultural”. A industria cultural constitui um sistema onde “a racionalidade técnica é a racionalidade do próprio domínio” (HORKHEIMER - ADORNO, 1947, p. 131; apud WOLF, 1999, p. 85). As pesquisas de cunho administrativo, que se satisfaziam com explicações e justificativas relativas aos aspectos tecnológicos, recorrendo à coleta e à classificação de dados objetivos, não levam em conta a sua própria participação no processo em questão. As teorias da escola de Frankfurt, por sua vez, vêm propor uma teoria da sociedade que se coloque criticamente em relação à própria abordagem científica. A industria cultural é um sistema onde cada parte do processo tem uma interdependência do outro. Enquanto o mercado de massas impõe a estandardização e a organização do consumo, o gosto dos públicos exigem estereótipos e baixa qualidade. O consumo é organizado pelo mercado a partir da estratificação dos produtos em uma hierarquia de qualidade. Mas na verdade nada muda de um nível para o outro desta hierarquia, a estrutura de fundo permanece a mesma. A mudança não acontece por que o novo é evitado como medida de segurança para a eficácia da venda dos produtos. Ocorre então uma estandardização, uma “normalização”, onde não existe novidade, conflito nem mudança; nada menos antidialético que a standardização. 9.1 O indivíduo na era da industria cultural Na sociedade onde atua a indústria cultural o indivíduo não tem vontade própria, ele é completamente manipulado pelos sistemas que integram a sociedade onde vive. A industria cultural determina previamente o que cada cidadão vai consumir, todos permanecem ali “sentados no sofá da sala [...] comendo sua culturinha de massa todo mês”3. Os próprios mecanismos do lazer são uma mera continuidade e reprodução do processo de trabalho. Enquanto o indivíduo pensa que está desligado do sistema de produção, usufruindo do descanso merecido que o lazer lhe propicia, ele está, na verdade, dentro ainda do mesmo sistema: passeando pelo shopping, fazendo compras e assistindo a filmes que têm como função mantê-lo acrítico, ele não está, de maneira alguma desligado do sistema de produção material no qual se insere o processo do trabalho. 3 Faço referência aqui à letra da canção de Tom Zé apresentada em sala de aula e anexada ao matéria didático, intitulada “O pão nosso de cada dia”. 29 9.2 - A qualidade dos produtos da industria cultural O tempo do trabalho e o tempo do lazer são, então, ambos regidos pelo mesmo mecanismo econômico. E tal mecanismo domina tão imperiosamente os indivíduos e o funcionamento da sociedade que os produtos da industria cultural, filmes, programas de rádio, jornais, refletem o modelo deste mecanismo. Ao promover o entretenimento, ao propiciar a pura e simples descontração, excluindo a reflexão sobre os processos de dominação e impedindo uma ação mais crítica dos indivíduos, os produtos da industria cultural colaboram para a manutenção da ordem social vigente. A rapidez com que as informações são emitidas pelos produtos da indústria cultural, os esquemas pré-fixados que não chamam o espectador a uma reflexão mais profunda, o fato de que “[...] Qualquer conexão lógica que exija perspicácia intelectual, é escrupulosamente evitada” (HORKHEIMER - ADORNO, 1947, p. 148. apud WOLF, 1999, p. 88) são aspectos destes produtos que contribuem para a manutenção do sistema da indústria cultural. Diferentemente dos complexos jogos narrativos dos romances clássicos, que envolviam o espectador e provocavam nele uma atividade mental construtiva, os esquemas pré-fixados, os modelos de enredos das histórias do cinema, sempre repetitivos, não requisitam do espectador nenhuma reflexão mais profunda. Ele, pelo contrário, já sabe como irá terminar a história. Na música clássica, a lenta introdução de esquemas parte a parte, a repetição e o desenvolvimento da estrutura formal (das melodias, das harmonias, do ritmo, etc) dão espaço para que o espectador possa fazer do processo de reconhecimento das partes, para que se constitua em um ato de verdadeira compreensão. Já na “música ligeira” (maneira pela qual Adorno se referia ao Jazz) “A composição ouve pelo ouvinte” (ADORNO, 1941, p. 33. apud WOLF, 1999, p. 89). Na “música ligeira” não há tempo para que se desenvolvam os processos de reconhecimento. O mesmo fenômeno de pouca estimulação mental, de exclusão do espaço necessário à reflexão do autor, acontece na recepção das imagens cinematográficas. No lugar de receber informações que levam a uma reflexão interior, a uma interiorização, como na leitura de um romance, o espectador do cinema apenas “[...] cede sinais óticos inequívocos que podem ser captados com um olhar” (ADORNO, 1954, p. 382. apud WOLF, 1999, p. 89). 9.3 - Os “efeitos” dos mass media Na industria cultural os mass media não figuram apenas como “a soma total das ações que descrevem ou das mensagens que essas ações irradiam”. Não se pode avaliar simplesmente as respostas de uma audiência às mensagens, deve se levar em conta o fato de que estas mensagens são compostas de vários níveis de significados, alguns mais aparentes, mais expressos, e outros latentes, escondidos em camadas menos acessíveis à percepção consciente. As mensagens “ocultas” acabam por ser mais importantes 30 que as mensagens mais aparentes. Esta constatação da teoria crítica é bastante pertinente; encontramos, em grande quantidade, nos produtos da industria cultural, exemplos deste tipo de “duplavinculação” de mensagens. Nas telenovelas brasileiras é muito comum a existência de mensagens preconceituosas camufladas por outros elementos da trama. Enredos que mostram a ascensão de pessoas pobres às classes dominantes, com a ajuda dos membros de classes privilegiadas, são muito comuns nas telenovelas brasileiras. Tais dispositivos, ao mesmo tempo que emocionam profundamente e nutrem esperanças no coração da grande maioria da audiência, que sonha com a ascensão social, acabam por esconder um esquema monstruosamente preconceituoso, onde o “pobre” ascende na pirâmide social graças ao seu bom caráter e à ajuda dos “ricos”. Os pais que reencontram os filhos, os cônjuges que perdoam as traições (atenção para o poder do “perdão” em nossa sociedade), escondem preconceitos regionais tais como o humor às custas do sotaque e dos costumes das regiões mais pobres do país. Estes mecanismos de mensagens embutidas, de efeitos disfarçados estavam já presentes nos romances de folhetim ou nas primeiras radionovelas, e ainda hoje propiciam gordas bilheterias para os empresários de Hollywood. Um exemplo onde tal mecanismo se apresenta de maneira intensa é o filme Independence day. A trama mal esconde a idéia de que os Estados Unidos são o governo do mundo com histórias de famílias separadas, de pessoas comuns e “fracassados” impressionando a autoridade máxima do país e a opinião pública ao ajudarem a “salvar o mundo”: o fabuloso técnico de TV a cabo que descobre o vírus capaz de vencer os alienígenas; o velho bêbado, ridicularizado pela sociedade local porque contava uma história sobre ter sido seqüestrado pelos extraterrestres, e que acaba por salvar o planeta em um suicídio heróico. Tudo levando o espectador a ter esperança em si e no “dia da independência”. Wolf salienta então que as pesquisas administrativas não levavam em conta esta estrutura multiestratificada dos meios de comunicação de massas, e tratam a complexidade das “[...] relações manifestas e latentes entre os diversos níveis das mensagens” como sendo causais e privadas de finalidade. Este é um ponto capital de distinção entre a teoria crítica e as teorias administrativas. As “relações manifestas e latentes entre os diversos níveis das mensagens” (WOLF, 1999, p. 90) acabam por gerar a Tendência para canalizar a reação do público, o que ombreia com a suspeita largamente partilhada, ainda que difícil de confirmar com dados exactos, de que, actualmente, a maioria dos espectáculos televisivos visa a produção ou, pelo menos, a reprodução de muita mediocridade, de inércia intelectual e de credulidade que parecem adequar-se aos credos totalitários, mesmo que a mensagem explícita e visível dos espectadores 31 possa ser antitotalitária (ADORNO, 1954, p. 385. apud WOLF, 1999, p. 90). E, conforme muito bem coloca Wolf, A manipulação do público - perseguida e conseguida pela indústria cultural entendida como forma de domínio das sociedades altamente desenvolvidas - passa assim para o meio televisivo, mediante efeitos que se põem em prática nos níveis latentes das mensagens. Estas fingem dizer uma coisa e dizem outra, fingem ser frívolas mas, ao situarem-se para além do conhecimento do público, reforçam o seu estado de servidão. Através do material que observa, o observador é continuamente colocado, sem o saber, na situação de absorver ordens, indicações, proibições (WOLF, 1999, p. 91). 9.4 - Os gêneros A divisão dos produtos cinematográficos e televisivos em gêneros (hoje corporificada nas estantes das vídeo-locadoras) predefine os modelos de atitude do espectador, limita as possibilidades de reflexão sobre os possíveis conteúdos dos produtos em questão. O espectador que se dispõe a assistir a uma comédia ou a um drama tem já boa parte do que seria o processo de percepção da obra pré-estabelecido, mesmo antes do seu encontro com a própria obra. Apesar dos estereótipos constituírem um aspecto fundamental da economia mental, e de seu uso ser extremamente importante nos processos de aprendizado, a estereotipização dos produtos culturais acaba por transformá-los em um “conjunto de protocolos” (Wolf, 1999, p.92). Quanto mais os estereótipos se espalham e se fortalecem, mais a experiência dos indivíduos é reduzida. Levados a enfocar um produto cultural pelo prisma limitativo dos estereótipos, os indivíduos são privados da diversidade potencial da experiência e acabam cada vez mais afeitos às idéias preconcebidas, cada vez menos de capazes de uma reflexão autônoma e crítica. 10. Teoria crítica versus teoria administrativa De acordo com a leitura da teoria, a pesquisa administrativa, limitando-se à pesquisa das condições presentes, considerando como um dado natural a contradição entre indivíduo e sociedade, que na verdade é um produto histórico da divisão de classes, acabaria se curvando ao monopólio da industria cultural. Os dados empíricos colhidos nas pesquisas, originados de uma inquisição direta dos indivíduos - ou melhor, dos “pseudo-indivíduos” - não é suficiente. 32 Para a teoria crítica faz-se necessário enquadrar estes dados empíricos em uma compreensão da sociedade como um todo, considerando suas ligações com a dinâmica histórica (como por exemplo o fator histórico logo acima citado, onde a contradição entre indivíduo e sociedade figura como um produto da divisão de classes). Afinal, se a industria cultural anula toda a individualidade, se o que prevalece é um pseudo-individualismo que acaba por mascarar uma aceitação dos valores impostos, como seria possível dar credibilidade, e considerar como eixo da pesquisa, justamente as opniões destes pseudo-invíduos? A ausência da autoreflexão no empirismo administrativo, de qualquer consideração sobre os seus próprios pressupostos e métodos, acaba por impedir que se enxergue a estrutura da indústria cultural, onde os meios de comunicação figurão como “instrumentos de reprodução de massa que, na liberdade aparente dos indivíduos, reproduzem as relações de força do aparelho econômico e social” (WOLF, 1995, p. 84). A pesquisa administrativa acaba por considerar os indivíduos como [...] instrumentos utilizados para atingir determinados objetivos: vender mercadorias, elevar o nível intelectual da população ou melhorar a sua compreensão das políticas governamentais. Seja como for, a pesquisa tem por função tornar o instrumento comunicativo mais compreensível e conhecido para quem o quiser utilizar para uma finalidade específica, de modo a facilitar o seu uso (Lazarsfeld, 1941, 2 apud WOLF, 1995, p. 84). 11. A teoria culturológica Enquanto a teoria crítica ia ganhando espaço junto a pesquisadores que não se identificavam com a pesquisa administrativa, surge, na França, a tradição culturológica de estudos da cultura de massa. As perguntas feitas por esta tradição são relativas à presença, no panorama cultural como um todo, da cultura de massas. Como ela vem se integrar às culturas já existentes (a cultura nacional, a cultura humanista e a cultura religiosa): [...] a cultura de massa é uma cultura: ela constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações específicas. Ela se acrescenta, à cultura nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa, e entra em concorrência com estas culturas (MORIN, 1967, p. 18). 33 Dentro deste panorama “policultural” a cultua de massas tanto interfere nas culturas já existentes quanto é por elas contida, e “A esse título ela não é absolutamente autônoma: ela pode embeber-se de cultura nacional, religiosa ou humanista e, por sua vez, ela embebe as culturas nacional, religiosa e humanista” (MORIN, 1967, p. 18). Para Morin, as abordagens voltadas para a comunicação de massa impedem a compreensão desta complexidade da “cultura de massa”. Já em 1960, dois anos antes da publicação da primeira edição de O espírito do tempo, Morin defendia a idéia de que a cultura de massa, enquanto um conjunto de cultura, civilização e história, somente poderia ser abordada pelo método da totalidade (WOLF, 1995, p. 90). Mas o que seria a cultura para Morin? No início do curso, lançamos mão da definição de cultura por ele apresentada em O espírito do tempo. Podemos adiantar que uma cultura constitui um corpo complexo de normas, símbolos, mitos e imagens que penetram o indivíduo em sua intimidade, estruturam os instintos, orientam as emoções. Esta penetração se efetua segundo trocas mentais de projeção e identificação polarizadas nos símbolos, mitos e imagens da cultura como nas personalidades míticas ou reais que encarnam os valores (os ancestrais, os heróis, os deuses). Uma cultura fornece pontos de apoio imaginários à vida prática, pontos de apoio práticos à vida imaginária; ela alimenta o ser semi-real, semi-imaginário, que cada um secreta no interior de si (sua alma), o ser semi-real, semi-imaginário que cada um secreta no exterior de si no qual se envolve (sua personalidade) (MORIN, 1967, p. 17). E é neste jogo entre real e imaginário que, por meio de processos de identificação e projeção, onde entram em ação os arquétipos da estrutura imaginária, que a industria cultural encontra o desafio de superar a contradição “entre suas estrutura burocráticas-padronizadas e a originalidade (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer” (MORIN, 1962, p.28). 34 Então, na indústria cultural, a burocracia se opõe à invenção da mesma maneira que o padrão (o estandardizado) se opõe à individualidade O imaginário se estrutura segundo arquétipos: existem figurinos-modelo do espírito humano que ordenam os sonhos e, particularmente, os sonhos racionalizados que são os temas míticos ou romanescos. Regras, convenções, gêneros artísticos impõem estruturas exteriores às obras, enquanto situações tipo e personagens-tipo lhes fornecem as estruturas internas. A análise estrutural nos mostra que se pode reduzir os mitos a estruturas matemáticas. Ora, toda estrutura constante pode se conciliar com a norma industrial. A industria cultural persegue a demonstração à sua maneira, padronizando os grandes temas romanescos, fazendo cliches dos arquétipos em esteriótipos. Praticamente fabricam-se romances sentimentais em cadeia, a partir de certos modelos tornados conscientes e racionalizados. Também o coração pode ser posto em conserva. Depois de ler um texto tão impressionante como o de Morin, é interessante nos lembrarmos de alguns trechos da canção Parque Industrial, de Tom Zé: “Tem garotas propaganda/ aeromoças e ternura no cartaz/ basta olhar para a parede/ que minha alegria num instante se refaz/ pois temos o sorriso engarrafado/ já vem pronto e tabelado, é somente requentar e usar”4. Realmente, como disse Morin, nos primeiros anos desta mesma década (a década de 60) logo no início de O espírito do tempo, assiste-se a uma segunda industrialização, diferente daquela que aconteceu no início do século XX: A Segunda colonização penetra na grande reserva que é a alma humana [...] A Segunda industrialização, que passa a ser a industrialização do espírito, a Segunda colonização, que passa a dizer respeito à alma progridem no decorrer do século XX. Através delas, opera-se esse progresso ininterrupto da técnica, não mais unicamente votado à organização exterior, mas penetrando no domínio interior do homem e ai derramando mercadorias culturais. [...] Essas novas mercadorias são as mais humanas de todas, pois vendem a varejo, os ectoplasmas de humanidade, 4 Esta canção consta do LP Tropicália ou Panis et Circencis, lançado em 1968. Mas também pode ser encontrada no LP Grande liquidação de Tom Zé, do mesmo ano. 35 os amores e os medos romanceados, os fatos variados do coração e da alma (MORIN, 1962, p. 15-16). Ilustrativo e interessante ainda será notar como nesta produção da tropicália a industria cultural e a cultura de massa estavam sendo abordadas em alto nível. De acordo com Ismail Xavier Neste momento, passamos de uma arte pedagógicoconscientizadora para espetáculos provocativos que se apoiavam em estratégias de agressão e colagens pop que marcavam a politização no Brasil, de protocolos de criação que, na origem (USA), tinham outro sentido. A ironia dos artistas privilegia a sociedade de consumo como alvo, num momento em que, no Brasil, há uma nova forma de entender a questão da industria cultural e o novo patamar de mercantilização da arte, da informação e do comportamento jovem, incluída a rebeldia. [...] Em sua montagem de signos extraídos de contextos opostos, o Tropicalismo promoveu o retorno do modernismo de Oswald de Andrade e combateu uma mística nacional de raízes, propondo uma dinâmica cultural feita de incorporação do Outro, da mistura de textos, linguagens, tradições. No cinema moderno brasileiro tal mistura é a tônica de cineastas como Joaquim Pedro, a partir de Macunaíma, Sganzerla, Ivan Cardoso, Arthur Omar e Julio Bressane, cuja obra é feita de invenções-traduções que convocam um amplíssimo repertório. A cultura brasileira do final dos anos 60, digamos pós-Terra em transe, representou a perda de inocência diante da sociedade de consumo, e mobilizou o dinamismo do próprio mercado para tentar uma radicalização de seu poder dissolvente do lado patriarcal, da coisa de família, da tradição nacional (XAVIER, 1997, p. 54-55). Em outro lugar Ismail Xavier coloca também que: As canções da Tropicália escandalizaram um “nacionalismo cioso de purismos artesanais da sonoridade brasileira; por outro lado, conseguiu, por certo tempo, manter um teor subversivo dentro da engrenagem do mercado através de uma reinvenção acelerada na composição das canções e nos seus modos de apresentação. O AI 5, decretado em dezembro de 68, interrompeu o fluxo dessa experiência de desconcertos. Enquanto pôde durar, esse processo singular sustentado em plena TV foi o laboratório de uma nova articulação de cultura e política, experiência-limite de perda de inocência diante da industria cultural. No seu jogo de contaminações - o nacional/estrangeiro, alto/baixo, vanguarda/kitsch - o Tropicalismo pôs a nu o seu próprio mecanismo. Ou seja, chamou a atenção para o momento estrutural das 36 composições, lembrando um tipo de efeito de estranhamento que ganha maior nitidez nas artes visuais e de mise-enscène; as que, não por acaso, tiveram um papel fundamental para o impacto das canções (XAVIER, 1993, p. 20 – 21). É certo que tal procedimento de evocar com tanta ênfase a tropicália, em uma abordagem das teorias da comunicação, da a impressão de um desvio excessivo. Não obstante iremos insistir e, desta forma, demonstrar a pertinência de tal estratégia. A estratégia estéticopolítica da tropicália constituiu, em múltiplas instâncias, uma crítica prática e um uso singular da industria cultural e da cultura de massas. Olhando o comentário a seguir, vemos nas palavras de Carlos Calado uma demonstração, um dos exemplos possíveis, diante de muitos outros que não evocaremos, de como esta operação direta nas vísceras da cultura foi profícua e nos ilustra tão bem alguns aspectos da teoria culturológica (e da teoria crítica também): Em Parque Industrial, alternou [calado refere-se ao maestro Rogério Duprat, arranjador do disco Tropicália ou Panis et Circencis] frases do Hino Nacional Brasileiro com um trecho do popular Jingle do analgésico Melhoral (CALADO, 1997, p. 194). Podemos ver neste aspecto da obra de Tom Zé, comentado por Carlos Calado, como na ação estética da tropicália podemos assistir, com grande clareza, ao movimento de intersecção entre a cultura de massas e as outras culturas, tal como apontado por Morin. A cultura nacional, presente, nos signos musicais da canção - nas frases melódicas do Hino Nacional Brasileiro - devora (para evocar a metáfora antropofágica) e é devorada pela cultura de massas que, por sua vez, está também presentes nas frases melódicas do Jingle. A letra faz referência a cultura industrial quando fala que “o avanço industrial vem trazer nossa redenção”, e faz referência também à indústria cultural, quando a aeromoça e a ternura no cartaz figuram como “um sorriso engarrafado”. A cultura industrial e a industria cultural são saldadas: “o avanço industrial vem trazer nossa redenção!” A magnífica canção de Tom Zé nos realmente nos faz ver como “Também o coração pode ser posto em conserva” em uma sociedade onde “Praticamente fabricam-se romances sentimentais em cadeia, a partir de certos modelos tornados conscientes e racionalizados”. Logo em seguida no texto, Morin irá observar que, nesta fabricação norteada por arquétipos existe, simultaneamente, uma tendência contrária, que exige a individualização: 37 Existem técnicas-padrão de individualização que consistem em modificar o conjunto dos diferentes elementos, de modo que se pode obter os mais variados objetos a partir de peças-padrão de meccano. Mas Em determinado momento precisas-se de mais, precisa-se da invenção. É aqui que a produção não chega a abafar a criação, que a burocracia é obrigada a procurar a invenção, que o padrão se detém para ser aperfeiçoado pela originalidade. Para Morin, não é possível haver uma integração total da criação em um sistema de produção industrial. O que acontece, no final das contas é que a industria cultural deve estar, a cada momento, superando constantemente “uma contradição fundamental entre suas estruturas burocráticas-padronizadas e a originalidade (individualidade e novidade) do produto que ela deve fornecer” (MORIN, 1967, p. 28). A industria cultural, para Morin, “opera a partir desses dois pares antitéticos: burocracia-invenção padrãoindividualidade” (MORIN, 1967, p. 29). A contradição ai enunciada é o que explica como podem coexistir, na indústria cultural “esse universo imenso estereotipado no filme, na canção, no jornalismo, no rádio, e, por outro lado, essa invenção perpétua no cinema, na canção, no jornalismo, no rádio, essa zona de criação e de talento no seio do conformismo padronizado”(MORIN, 1967, p. 31). E Morin, ainda hoje, mantém tal posição no que tange à necessidade da originalidade na indústria cultural. Podemos constatar isto em um texto intitulado Uma mundialização plural, escrito neste ano de 2003 para um livro, organizado por Dênis de Moraes, que foi lançado no Forum mundial realizado em Porto Alegre: Como eu expliquei em L’esprit du temps (Livre de Poche, Essais, nova edição 1983), não se pode produzir em série filmes ou canções idênticas, cada um deve ter sua singularidade e sua originalidade, e a produção faz necessariamente apela à criação. Muitas vezes a produção asfixia a criação, mas acontece de ela permitir obrasprimas; a arte do cinema floresceu por todo lado, em todos os continentes, e tornou-se uma arte mundializada, preservando, ao mesmo tempo, as originalidades dos artistas e das culturas...” (MORIN, 2003, p. 352). Quando se trata de arte e pensamento, para Morin, a mundialização cultural não é homogeneizante, “constituem-se grandes ondas transculturais que 38 favorecem a expressão das originalidades nacionais em seu seio” (MORIN, 2003, p. 352). Já em O espírito do tempo - não é demais lembrar que esta obra foi publicada em 1962 - Morin falava de mundialização, fenômeno que hoje nomeamos Globalização. No capítulo intitulado A cultura planetária ele nos fala de como, no terceiro mundo “não são as transformações econômicas que, principalmente o progresso industrial, que transformam as mentalidades” (MORIN, 2003, p. 352). No terceiro mundo a industria cultural atua sobre as mentalidades antes mesmo de acontecer qualquer transformação socio-econômica. É como diz Ismail Xavier, “No imaginário da história, passamos, portanto, do centro à periferia, sem ter na prática jamais saído desta” (XAVIER, 1993, p. 09). Em Cultura hibridas Nestor Garcia Canclini nos fala sobre a coexistência, na américa latina, do “culto”, do “popular” e do “massivo” dentro de um sistema contraditório e anacrônico, onde, em um mesmo espaçotempo, temos o arcaico (pré-moderno, presente em aspectos como o baixo índice de alfabetização), o moderno e o pós moderno. O que Canclini chama de culto pode-se aproximar, grosso modo, do que Morin chamava de cultura humanística; enquanto, aquilo que Canclini nomea como massivo, pode estar associado em alguma medida ao que Morin chama de cultura de massas; e finalmente, o popular tem afinidades com a cultura nacional na acepção que Morin dá ao termo. Tal ligação entre as teorias de Morin e de Canclini pode nos trazer para uma reflexão sobre os meios de comunicação de massa na realidade da américa latina. As constantes referências aos estudos de Ismail Xavier e aos prodígios estético-políticos da tropicália também preparam terreno para uma abordagem dos mass media no terreno nacional brasileiro. Mas dentro de nossa linha de preparação para concurso, não podemos nos afastar muito do que vai no livro de Mário Wolf. Sendo assim, passaremos então um rápido olhar sobre a tendência dos estudos das comunicações de massas que se deram no interior da tradição dos estudos culturais, onde reencontraremos conceitos apontados na introdução deste curso, tais como os de texto, dialogismo e contexto tal como formulados por Mikhail Bakhtin. Mas uma vez com os pés afundados nos estudos culturais, estaremos novamente em condição de retornar a questão do Brasil no contexto da problemática da industria cultural, da cultura de massas e dos meios de comunicação de massas. 39 12. Os estudos culturais De acordo com Douglas Kellner, em A cultura das mídias, podemos observar notáveis semelhanças entre a abordagem da teoria crítica e a dos estudos culturais - pois ambas “desenvolvem modelos teóricos do relacionamento entre a economia, o Estado, a sociedade, a cultura e a vida diária, dependendo, pois, das problemáticas da teoria social contemporânea” (KELLNER, 2001, P. 49). Mas os estudos culturais irão subverter a distinção entre cultura superior e inferior, tão cara a teoria crítica. Nos trabalhos dos estudos culturais as produções culturais que se valem das novas tecnologias e que se situam no seio da cultura de massas, tais como o cinema, a televisão e a música popular, serão valorizadas. Kellner, evocando Aronowitz, observa que os estudos culturais acabam por tomar uma postura oposta a da escola de Frankfurt, quando, no final das contas, deixam de fora a cultura superior (o culto em Canclini, a cultura humanística em Morin, grosso modo). É o mesmo preconceito às avessas: enquanto a teoria crítica rejeita a chamada cultura inferior (a “nova” cultura popular, que na verdade é uma indústria cultural na percepção dos Frankfurtinianos), os estudos culturais rejeitam a cultura erudita, ou cultura superior, ou o simplesmente o “culto”, para usar mais uma vez a terminologia de canclini. Uma questão central na tradição dos estudos culturais é a da identidade, que vem sendo largamente discutida na teoria social. A tônica é o declínio das velhas identidades, antes responsáveis pela estabilização do mundo social. O fim das velhas identidades provoca o surgimento de novas identidades que promovem a fragmentação do indivíduo moderno. Assiste-se a morte do sujeito unificado, tal como formulado pela tradição metafísica ocidental, assiste-se a uma “crise de identidade”. Os parâmetros que antes davam estabilidade para o sujeito na sociedade, instituições como a família, a religião, os sentimentos de territorialidade e nacionalidade, são deslocados, deixando os indivíduos sem referenciais fixos. Stuart Hall, que é o autor mais lido dos estudos culturais, em A identidade cultural na pós-modernidade, propõe, para os propósitos deste trabalho, três concepções diferentes de identidade: a) sujeito do Iluminismo - 40 O sujeito do Iluminismo estava baseado numa concepção da pessoa humana como um indivíduo totalmente centrado, unificado, dotado das capacidades de razão, de consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que emergia pela primeira vez quando o sujeito nascia e coma ele se desenvolvia, ainda que permanecendo essencialmente o mesmo - o contínuo ou ‘idêntico’ a ele - ao longo da existência do indivíduo. O centro essencial do eu era a identidade de uma pessoa. Direi mais sobre isto em seguida, mas pode-se ver que essa uma concepção muito ‘individualista’ do sujeito e de sua identidade (na verdade, a identidade dele: já que o sujeito do Iluminismo era usualmente descrito como masculino). b) sujeito sociológico A noção de sujeito sociológico refletia crescente complexidade do mundo moderno e a consciência do que este núcleo interior do sujeito não era autônomo e autosuficiente, mas era formado na relação com “outras pessoas importantes para ele”, que mediavam para o sujeito os valores, sentidos, e símbolos - a cultura - dos mundos que ele/ela habitava. G.H. Mead, C.H. Cooley e os interacionistas simbólicos são as figuras-chave na sociologia que elaboram esta concepção “interativa” da identidade e do eu. De acordo com essa visão, que se tornou a concepção sociológica clássica da questão, a identidade é formada na “interação” entre o eu e a sociedade. O sujeito ainda tem um núcleo ou essência interior que é o “eu real”, mas este é formado e modificado num diálogo contínuo com os mundos culturais “exteriores” e as identidades que esses mundos oferecem. A identidade nessa concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior” - entre o mundo pessoal e o mundo público. O fato de que projetamos a “nós próprios” nessas identidades culturais, ao mesmo tempo que internalizamos seus significados e valores, tornando-os “parte de nós”, contribui para alinhar nossos sentimentos subjetivos com os lugares objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. A identidade liga o sujeito à estrutura e “estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados e predizíveis. c) sujeito pós-moderno - Mas, de acordo com Hall, o que se argumenta hoje é que o sujeito, que nos dois modelos anteriores tinha uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado, composto por várias 41 identidades, algumas até conflitantes ou mal resolvidas. Para os estudos culturais cultura é o conjunto complexo e diferenciado de significações relativas aos vários setores da vida dos grupos sociais e das sociedades e por eles historicamente produzidas (as linguagens, a literatura, as artes, o cinema, a TV, o sistema de crenças, a filosofia, os sentidos dados às diferentes ações humanas, sejam estas relacionadas à economia, à medicina, às práticas jurídicas, e assim por diante) (FISCHER, 2001, p. 25). E, tendo em vista tal concepção de cultura, os estudos culturais concentram seu interesse na questão da atribuição de sentido à realidade. O que forma sentidos na sociedade? Esta é a questão. Logo, fica fácil entender o interesse dos estudos culturais pela mídia, enquanto grande formadora de sentidos que é. Wolf comenta então que Os culturais estudies atribuem à cultura um papel que não é meramente reflexivo ou residual no que respeita às determinações da esfera econômica: uma sociologia das comunicações de massa adequada, deve, pois, ter como objetivo expor a dialética que se instaura entre o sistema social, a continuidade, e as transformações do sistema cultural, o controle social. As estruturas e os processos pelos quais as instituições das comunicações de massa mantêm e reproduzem a estabilidade social e cultural, devem ser estudados: isso não acontece de uma estática, mas adaptando-se continuamente às pressões, às contradições que emergem da sociedade englobando-as e integrando-as no próprio sistema cultural. 42 13. Bibliografia DE FLEUR, Melvin; BALL-ROKEACH. Teorias da comunicação de massa. Rio de Janeiro, 1993. MARTINO, Luis C.; HOHLFELDT, Teorias Da Comunicação – Conceitos, escolas e tendências. Vozes, Petrópolis, 2001. MORIN, Edgar. Cultura de Massas no século XX: o espírito do tempo, neurose. São Paulo: Forense, 1967. NÖTH, Winfried. A semiótica no século XX. São Paulo: Annablume, 1996. NÖTH, Winfried. Panorama da semiótica: de Platão a Peirce. São Paulo: Annablume, 1995. PEIRCE, Charles Sandres. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 1990. ROSENBERG; BERNARD WHITE; DAVID MANNING. cultura de massa: as artes populares nos estados unidos. 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